Análise do conto “A Igreja do Diabo” de Machado de Assis.
O conto “A Igreja do Diabo” de Machado de Assis trata da dualidade humana em sua constante oscilação entre o bem e o mal.
No conto, tal como no livro de Jó do Velho Testamento, temos um acordo entre Deus e o diabo.
A trama começa quando o diabo sobe ao Céu e pede a Deus permissão para fundar uma igreja. O diabo é autorizado a criar sua religião e, triunfante, vangloria-se de que a partir daquele momento o Céu seria um deserto.
Tão logo o diabo desce à Terra ele funda a sua igreja e começa a pregar seu evangelho.
Seu plano é simples. Sabendo da tendência humana para praticar o mal, o diabo começa a subverter todas as virtudes.
Depois, como grande enganador que é, o diabo convence a todos que não há nada de errado na ira, inveja, gula, fraude etc; ao contrário, essas são inclinações humanas tão naturais…
Assim, na igreja do diabo não existiria mais pecado, tudo seria permitido. Assim, o que antes era considerado certo, moral e virtuoso passa a ser considerado vil e desprezível. O homem não deve negar a sua natureza, apenas seguir os seus desejos. Esse, em resumo, é o evangelho do diabo.
Como foi bem notado pelo Apóstolo Paulo em uma de suas cartas, nós não fazemos o bem que queremos e muitas vezes fazemos o mal que não queremos.
Fazer o bem dá trabalho, enquanto para ceder ao mal basta uma omissão. O diabo sabia muito bem dessa tendência humana de ceder ao mal e por isso mesmo a inversão de valores foi aclamada pela multidão e a igreja do diabo se espalhou pelo mundo.
Contudo, uma vez tendo sua nova religião seguida em todas as partes do planeta, as pessoas começaram a praticar atos virtuosos às escondidas, para a perplexidade do diabo.
Neste ponto fica assinalada a dualidade da natureza humana, oscilando entre o bem e o mal, tema do conto A Igreja do Diabo e do soneto Dualidade de Olavo Bilac:
“Não és bom, nem és mau: és triste e humano…
Vives ansiando, em maldições e preces,
Como se, a arder, no coração tivesses
O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal, padeces;
E, rolando num vórtice vesano,
Oscilas entre a crença e o desengano,
Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes,
Não ficas das virtudes satisfeito,
Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora,
Residem juntamente no teu peito
Um demônio que ruge e um deus que chora.”
No final Deus triunfa sobre o diabo, tal como no livro de Jó, onde este mesmo quase cedendo à lamúria, não renega a Deus, ou seja, ao bem, mesmo quando tudo o estimula ao mal.
Embora não fosse a intenção de Machado, o conto A Igreja do Diabo pode ser compreendido como negação da crença de que uma vez liberto da moral o ser humano seria mais livre e feliz.
Basta imaginar como seria o mundo instaurado pelo diabo, o certo se torna o errado e vice-versa. Um mundo onde você não poderia confiar em ninguém por causa de traições, fraudes e trapaças. Um mundo em que não seria possível sair de casa sem ser roubado o alvo da ira alheia. Um mundo onde o mais forte oprime o mais fraco.
No fim das contas, a igreja do diabo seria a negação da natureza humana, desejosa de uma ordem para uma coexistência pacífica. No fim das contas, é o bem que faz a vida em comunidade possível. E quanto mais pessoas boas uma sociedade tiver, melhor ela será.